O rumor de que a euforia do crédito ressuscitou é largamente exagerado

Publicado 09 Fevereiro 2018

O total de empréstimos a particulares continua a diminuir, quer em termos nominais quer em percentagem do PIB. Apenas no crédito para automóveis há sinais que merecem atenção.

Primeiro foram as novas regras que o Banco de Portugal (BdP) impôs para os contratos de crédito, que vão apertar a concessão de empréstimos para habitação e para consumo a partir de julho. Depois, um aviso do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que alertou para necessidade de "evitar bolhas de consumo, depois dificilmente controláveis". Estarão as famílias portuguesas a entrar num consumismo frenético com recurso a crédito, que vai levá-las de novo para o abismo? Nem por isso. 

Para quem pensa que a crise dos últimos anos foi provocada por famílias que viveram acima das possibilidades e compraram demasiadas televisões com écran de plasma, as recomendações do BdP até podem levar a pensar que os portugueses estão de novo a comprar casas e eletrodomésticos ao desbarato. 
É verdade que uma crise financeira pode sempre voltar ocorrer, e por norma são poucos os que as conseguem detetar com precisão antes de elas ocorrerem. Mas um olhar mais atento sobre a evolução do crédito mostra que não deverá ser por uma qualquer corrida das famílias às prateleiras das grandes superfícies. 
Embora todos os meses oiçamos que a atribuição de novo crédito ao consumo atingiu valores historicamente elevados no ano passado, é preciso temperar essas notícias bombásticas. Desde logo, o chamado "efeito de base" é um conceito que vale a pena ter em conta para enquadrar esta evolução. Depois de anos de crise em que as famílias e sistema financeiro viveram sob fortes restrições, os termos de comparação dos últimos anos são necessariamente mais baixos - em termos de concessão de crédito mas também noutros indicadores económicos - e isso provoca taxas de crescimento por vezes exorbitantes. 
Depois, há algo tão óbvio que por vezes nos esquecemos de ter em conta: além de estarem a ser concedidos novos créditos, muitos outros estão a ser amortizados. Por isso, um retrato mais fiável do que está realmente a acontecer são os valores acumulados de empréstimos. Utilizando o stock de empréstimos a particulares pelas instituições financeiras, retirado da base de dados do BdP, o ressuscitar da euforia do crédito está longe de ser uma realidade. 
Nos empréstimos para habitação, os bancos em Portugal tinham cedido às famílias 93,2 mil milhões de euros no final de novembro do ano passado (ver infografia em baixo, barras a vermelho). É uma redução face ao valor registado no final do ano passado. Em dezembro é expectável que haja uma nova queda nos montantes emprestados, pelo que será o oitavo ano consecutivo em que o stock total de crédito para habitação desce. Se há algo que este indicador mostra não é uma corrida ao crédito, é o oposto. Qualquer pessoa que tenha tentado comprar casa no último ano pode testemunhar a dificuldade que subsiste em obter financiamento. 

Mais carros, mais caros.

Quanto ao crédito ao consumo, o stock de crédito em novembro está de facto mais alto face ao final do ano anterior, tendo atingido 21,3 mil milhões. Em dezembro, mês das compras de natal, é possível que volte a subir. Mas que tipo de bens estão os portugueses a comprar? As estatísticas da Associação de Instituições de Crédito Especializado (ASFAC), que reúne as empresas que mais peso têm no crédito ao consumo, dão pistas úteis. Ainda com dados parciais do ano passado, perto de 70% do crédito concedido está a ir para meios de transporte - ou seja, automóveis. Não só as famílias estão a comprar mais carros como o valor médio dos contratos de crédito está mais alto. No segmento dos particulares, a categoria das viaturas ligeiras de passageiros novas registou um valor médio 15.490 euros, acima dos 14,8 mil euros registados um ano antes. 
E até que ponto é este comportamento preocupante? Uma prestação pesada num carro até pode ser comportável, mas se somarmos a da casa pode ser um desastre. Mais uma vez, é útil recorrer ao stock de crédito e a uma análise histórica. 
Mesmo com o aumento em 2017, o volume atual de empréstimos para consumo está ainda longe dos valores com que as famílias chegaram à crise dos últimos anos.  2012, em pleno programa de assistência financeira a Portugal. 

Consultar a notícia integral no Jornal Económico, edição de 9 de fevereiro de 2018

 

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